quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Um adeus do meu leito de morte

by Mauricio Zágari

Foi tudo muito rápido, nem me lembro direito do que aconteceu. Me disseram que um carro surgiu sei lá de onde e me pegou em cheio. Fui atirado no ar, caí no chão depois de voar uns metros, como um boneco de pano. Agora estou aqui em meu leito de morte. É isso mesmo. Os médicos disseram que não tem mais jeito, fizeram tudo o que podiam, mas a hemorragia interna foi massiva, alguns órgãos perfurados, muitos ossos esmigalhados. Só resta agora esperar o grande e inevitável momento em que Deus dirá “vem”. As dores são controladas por analgésicos, acho que morfina. Me deram este iPhone pra eu conseguir me comunicar digitando letra a letra no notepad, pois não consigo falar, minha mandíbula fraturou em oito pedaços, só consigo mexer uns dedos e até que dá para digitar este que talvez seja o último texto da minha vida.

Estou num CTI de hospital, aqui é solitário, sabe, só fico ouvindo o bip bip bip da máquina atrás de mim. O silêncio é ensurdecedor. Seria ótimo ter com quem conversar, mas, tirando meus pais, ninguém veio me visitar. E falar tá impossivel, dói demais. Impressionante como a gente nao dá valor às coisas mais simples e corriqueiras da vida até que perde. Como poder falar. Andar. Coçar o nariz. Até respirar sozinho, sem precisar desses aparelhos.

Sabe, aqui no CTI não há muito o que fazer, então só resta pensar na vida, na morte e escrever com o dedo que me restou pra quem tiver paciência de ler.

Morte… é um momento crucial da nossa vida, sabe? Todos os 6,5 bilhões de habitantes do planeta sabem que esse dia vai chegar, mas ninguém quer pensar nele. Só que, ironicamente. agora eu não tenho muita escolha, afinal a morte está me encarando nos olhos, sinto seu hálito perto. É como se ela sentasse no meu peito, só esperando que Deus dê um sinal com o polegar. Não sei quantas horas ainda tenho nesta terra, então vou tentar ser rápido em minhas reflexões.

Por incrível que pareça, mesmo estando a um passo do outro lado, o pensamento não se volta para a morte, mas para a vida. Tanta coisa passa pela cabeça! Não sou tão velho assim, sou jovem, poucos cabelos brancos na cabeça, então não me preparei para este momento como devia, confesso. Mas uma coisa já descobri: no momento em que a hora final está perto a gente olha muito mais pra vida do que pra morte. Curioso isso.

Vou te contar uma coisa que só quem está no leito de morte sabe: aqui nessa cama o pensamento nos leva a refletir basicamente sobre três coisas. Na verdade, em três tipos de relacionamento: com Deus, com as outras pessoas e com a gente mesmo. Curioso… minha casa, meu notebook, meu iPhone, meu Wii, meus sapatos, minhas roupas… nada disso ocupa muito os meus pensamentos. Não pensei nem um segundo em dinheiro, muito engraçado isso. Só agora, escrevendo aqui, me lembrei que dinheiro existe. Se aqueles pedaços de papel ajudassem a aliviar minha consciência pelas coisas erradas que fiz na vida acho que pensaria mais neles agora. Mas é muito estranho: não gastei um segundo desde o acidente pensando em dinheiro. Estranho mesmo, porque até ontem eram as coisas que mais ocupavam meus pensamentos. Ganhar grana. Trabalhar. Ralar. Conseguir cada vez mais e mais pra comprar um monte de coisas que neste minuto estou aqui pensando e vejo que não vão me servir de absolutamente nada. É irônico, sabe… Bem irônico. Sensação dolorosa de tempo perdido.

O que mais tem se passado na minha cabeça nessas ultimas horas são as coisas que fiz a Deus durante a minha vida. Ou melhor, as que não fiz. As vezes em que não o obedeci, em que não o amei o suficiente… quanto tempo jogado no lixo! Gastei horas e mais horas me preocupando com coisas que, provavelmente, amanhã não terão mais importância nenhuma em vez de passar mais tempo com o meu Deus. Cara, como eu orei pouco! Como eu passei pouco tempo com Aquele que daqui a algumas horas estará me recebendo na Sua casa celestial, se eu tiver o privilegio de ir para lá. Tenho fé em Cristo, creio que estarei com ele. Porque eu fiz tudo direitinho: fui à frente na hora do apelo, frequentei os cultos de domingo, fui a muitas atividades da igreja. Até entreguei folheto! Isso faz de mim um salvo, não faz? Fico pensando nos frutos que produzi e vejo que foi tão pouca coisa! Eu poderia ter feito mais. Eu me interessei tão pouco pelo meu próximo, sabe? Mas esse é o segundo ponto, se eu tiver tempo falo sobre isso. Por enquanto deixa eu falar ainda um pouco mais sobre meu relacionamento com Deus.

Eu ia dizendo o quão pouco orei. Tinha tanta coisa mais divertida pra fazer! Internet, TV, cinema, festas, trabalhos… bem… que adianta a essa altura do campeonato eu mentir? A verdade é que eu tive muito tempo para orar. Tive tempo de sobra. Mas eu realmente não priorizei a oração. A quem estou querendo enganar? Eu poderia ter orado mais sim, tive tempo pra isso. Eu só não estava a fim. Pronto, essa é a verdade. Às vezes eu achava chato. Tinha tanto pra fazer e nunca pus a oração entre o top ten das minhas prioridades. Por isso orei muito menos do que poderia. E por isso conheço muito menos o meu Deus do que gostaria agora, que estou prestes a estar cara a cara com Ele. E aqui, no leito de morte… olha, isso faz uma diferença! Pois não sinto que tenho tanta intimidade assim com Cristo quanto gostaria e precisaria ter agora. Sempre achei que ainda teria muito tempo para orar. Mas…

Pra não falar da leitura da Biblia. Nossa, essa então… me dava um sono tão grande ler a Biblia… sempre tinha um filme mais legal na TV ou um amigo pra bater papo no MSN. Não, eu conheço muito menos a Biblia do que deveria – por pura preguiça de ler (não sei o que acontece, em nosso leito de morte a gente fica mais honesto, sabe? Admite coisas que antes não admitiria. Vai explicar…). Mas a verdade é que eu não li a Biblia como deveria por preguiça mesmo, por sempre ter algo mais “importante” pra fazer. Mas acredite, no nosso leito de morte nada é mais importante do que saber o que nos espera do outro lado. E eu sei tão pouco… é… eu deveria ter lido mais a Biblia. Pena que agora não dá mais tempo.

(Desculpe, vou parar de escrever um pouco, deu uma vontade grande de chorar um pouquinho, essa coisa de estar no leito de morte deixa a gente meio sentimental, sabe? Já volto).


Oi, perdão. Voltei, puseram alguma coisa no meu soro que me acalmou um pouco, parece. Onde eu estava mesmo? Ah, sim. Como eu dizia, minha relação com Deus poderia ter sido dez mil vezes melhor do que foi. Mas é o que é e agora não adianta chorar o leite derramado. A dor do meu corpo quebrado tá demais e só me resta esperar a hora da minha morte – que os médicos disseram que não vai demorar (eles falaram baixinho pros meus pais, mas eu ouvi). Aliás, por falar em pais, outra coisa que a proximidade da morte faz é nos levar a pensar nas outras pessoas. Cara, como eu passei pouco tempo com aqueles que eu amo… quanto tempo perdido fazendo coisas inúteis enquanto eu poderia estar perto dos que se importam comigo. E quantas brigas desnecessárias. Picuinhas. Bobagens. Ah, se eu pudesse voltar atrás…

E, sabe, eu estava pensando aqui, tantas e tantas e tantas pessoas que eu poderia ter ajudado e não ajudei… eu vi tanta, mas tanta gente passando fome, doente, sozinha e… eu não dei a mínima. Essa é que é a verdade. Não dei a mínima. Eu sempre fingia que não via, que alguém ia fazer aquilo que eu poderia ter feito pelas outras pessoas e… agora, aqui no meu leito de morte, eu percebo que não fiz nada. Nada. Nada. Quase nunca visitei um doente, levei comida a um órfão, consolei uma viúva, investi tempo em trazer alento e alegria aos outros. Digo “quase” porque me lembro de uma vez em que saí de um restaurante e, como não aguentei mais de tão empanturrado de comida que estava, pedi pra levar o resto do almoço numa quentinha. Só que acabei dando pra um mendigo que ficou me pedindo. Sei lá, acho que foi pra ele parar de me chatear. Claro que quando eu é que estava mal queria toda a atenção do mundo, mas quando era pra amparar os outros… Pfff, fala sério.

(Espera um segundo só. Deu uma vontade louca de chorar mais um pouquinho…)

Desculpe, cara, é difícil olhar pra trás e ver que a nossa passagem pela terra não fez tanta diferença quanto poderia ter feito. Eu sinto a vida se esvaindo de mim. Sinto claramente. Mas, por mais que a dor seja intensa, não se compara a essa sensação de inutilidade – mais do que isso, de futilidade. Minha vida passou, eu me preocupei demais comigo mesmo, me preocupei demais com o que vou fazer amanhã, no fim de semana, nas férias, no ano que vem, em planejar a minha aposentadoria e… eu não vou passar desta noite, foi o que ouvi o médico dizer aos meus pais. Quanto tempo perdido. Quanto tempo jogado fora. Quanto tempo desperdiçado…

Sinto que aos poucos meus dedos não estão me obedecendo mais. Tá começando a ficar bem complicado digitar. A visão está escurecendo. Tá difícil. Acho que vou parar por aqui. Eu não sei quem é você que está me lendo, peço desculpas. Não conheço seu nome. Não sei sua idade nem o que você faz. Que triste isso. Certamente teria sido muito bom ter conhecido você. Perdoe-me por não ter me preocupado com os seus problemas antes, preferindo você a mim em honra. Sinto que, se não fiz tudo errado, errei muito. Se você tem tempo de fazer o que a Biblia diz, faça. Se você tem como priorizar sua relação com Cristo, priorize. Se você tem saúde para ajudar seu próximo, ajude. Se você tem a capacidade de valorizar mais as pessoas do que os bens materiais, valorize.

E, especialmente… se você tem tempo…. use-o com sabedoria. A Biblia nos ensina no livro de Jó que nossa vida… é como um sopro.

Deus está soprando. Desculpe, hora de eu partir. Você… ainda não. Aproveite cada segundo que Deus te dá.

Deus está soprando. Tenho que ir.

Paz a todos vocês que estão em Cristo.

Autor: @MauricioZagari do blog "Apenas1"

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